Algumas reflexões sobre princípios
2023 Jan 27Algumas reflexões sobre princípios
Esse é um Encore de um ensaio de 2021 originalmente publicado no Medium
Algumas definições e reflexões sobre a sua aplicação em sistemas sociotecnológicos
Este ensaio (ou tentativa de) é um conjunto de reflexões e colagens ao longo de aproximadamente 7 anos da minha vida profissional, vivendo em organizações com inúmeros princípios fundamentais e outras sem quaisquer princípios operacionais.
O meu objetivo nunca foi “escrever esse ensaio” de fato, mas sim fechar, mesmo que parcialmente, este assunto na minha cabeça através de observação, reflexão, empirismo e especulação sobre como organizações sem nenhum tipo de princípio são por padrão catóticas e disfuncionais.
Se você desejar parar de ler aqui, eu deixo apenas uma conclusão parcial do que eu pensei ao longo desse tempo:
Organizações estruturadas em princípios sólidos e explícitos têm um maior grau de coesão entre as pessoas, menos conflitos por conta de aspectos fundamentais, maior coerência no processo de decisão, e se corrigem em uma velocidade maior.
Eu vou tentar puxar o tópico para aspectos de tecnologia na medida possível, mas primeiramente o que seria a definição do que são os princípios?
O que são os princípios?
Existem muitas definições nas interwebs em relação ao que são os princípios, umas indo para um sentido mais etimológico e outras com uma carga semântica um pouco maior.
Algumas definicões de princípios são:
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De acordo com o Wiktionary a da palavra princípio vem do latim [prīncipium](https://en.wiktionary.org/wiki/principium#Latin) que significa “começo” ou “fundação”. Como substantivo seria o equivalente a um “pressuposto/essência** **fundamental”, “faculdade”, ou “regra ou lei da natureza” que estabelece a ideia básica sobre como essas são aplicadas.
Correndo o risco de abusar da vulgaridade semântica, eu vejo que princípios em tecnologia seriam um conjunto de pressupostos, normas, e/ou conjunto de crenças fundamentais que servem de racional para guiar toda e qualquer ação de um sistema sociotecnológico.
Estes princípios servem como uma espécie de bússola ou referencial para a fundamentação de comportamentos e escolhas, através do estabelecimento de uma consciência nas pessoas dentro deste sistema sociotecnológico.
O ponto que eu quero fazer aqui é que os princípios vão, em última instância, arbitrar as práticas e escolhas de uma determinada coletividade de pessoas.
E as escolhas podem ser as mais diversas que vão desde responder perguntas como “Qual stack de tecnologia temos que usar para o projeto X?” até “Quais são os comportamentos que rejeitamos de maneira intransigente dentro do nosso time de TI?”
Com isso todas as práticas ganham um aspecto um pouco mais objetivo, dado que existe um norte, uma direção, um fundamento pelo qual algo está sendo feito. E aqui a arbitragem fica muito mais simples e direta para todo mundo.
Mas antes de ir para os exemplos de tecnologia, eu quero ilustrar a força dos princípios em um domínio técnico de engenharia.
Mais pesado que o ar…
Para ilustrar a força dos princípios na engenharia/tecnologia eu vou usar a atividade de voo de aeronaves.
Se pensarmos a grosso modo nos princípios que regem a atividade de voo de uma aeronave, existem 4 princípios fundamentais que vão nortear toda e qualquer atividade de design, engenharia e construção de aeronaves, que são:
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Sustentação aerodinâmica como a força perpendicular vertical que compensa o peso do objeto voador e o mantem voando;
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Arrasto que se manifesta como força aerodinâmica que se cria em oposição ao objeto que está voando;
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Tração que é representada pelo impulso positivo; e
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Peso que se estabelece em razão da força gravitacional que “puxa para baixo” todos os objetos que estão dentro do campo gravitacional terrestre.
Em um cenário hipotético em que precisamos construir um avião, por mais que possamos discutir aspectos como design de projeto, capacidade operacional, elementos estéticos, filosofia de cockpit e etc.; por força destes princípios fundamentais o sistema sociotecnológico que vai construir essa aeronave vai ter que se submeter a estes princípios para a construção de uma aeronave aeronavegável.
Ponto.
Em última análise uma aeronave para ser minimamente aeronavegável vai ter que se ater aos princípios, do contrário:
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Uma aeronave que não seja capaz de ter uma sustentação aerodinâmica não consegue nem sair do chão;
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Um design de asa com problemas de laminarização pode aumentar em demasia o arrasto que pode deixar a aeronave instável e ameaçar a segurança do voo;
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Um motor que não tenha a capacidade realizar a tração necessária não vai fazer a aeronave ter velocidade positiva suficiente; e por fim
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Uma aeronave que tenha um peso muito maior do que a capacidade operacional não vai conseguir decolar, e uma aeronave muito leve fica ao sabor de tempestades, turbulências, rajadas e tesouras de vento com mais facilidade.
E sem medo de cometer um salto de lógica com um exemplo tão vulgar, podemos ver que (i) há uma interrelação entre os princípios, dado que nenhum é uma unidade estéril e desconexa, mas sim é uma parte de um conjunto sinérgico de forças, e (ii) que a violação de um ou mais princípios faz com que o sistema em si se torne, por definição, ou (a) disfuncional ou (b) inviável.
Princípios: Ter ou não ter?
Eu tive experiências em times de tecnologia dos dois extremos, uns com princípios de operação muito estabelecidos, e outros com a completa falta de princípios operacionais mínimos.
Comparando as organizações com princípios de operação explícitos com as que não tem, ao menos ao meu ver ficaram claras algumas diferenças como:
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Enquanto as organizações com princípios de operação conseguiam fazer com que a maioria das pessoas fizessem um juízo objetivo em coisas fundamentais como a escolha de um stack de tecnologia, as suas contrapartes sem princípios tinha sempre elementos de subjetividade e arbitrariedade em praticamente tudo, não raro sempre com gente escolhendo a melhor tecnologia que fosse soar bem no seu próprio currículo desconsiderando o rastro de destruição e custos que isso iria deixar;
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Algumas empresas sabiam fazer o uso da flexibilidade dos seus princípios, dado que mesmo estabelecidos ainda permitem um espectro de interpretação para a aplicação. Enquanto isso, empresas sem princípios tinham como norma infinitas regras ad hoc **(geralmente arbitrárias) **que engessava toda e qualquer prática e sempre convergia ao microgerenciamento (e.g. empresa que tolera comportamento tóxico em revisão de código, ou assédio); e
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Em empresas com princípios as pessoas na maioria das vetes têm uma previsibilidade em relação ao comportamento das outras pessoas e fazer a coisa certa é sempre o esperado; enquanto nas empresas sem princípios a insegurança era o sentimento reinante dado que sempre estava em aberto a possibilidade de alguma atitude arbitrária por qualquer membro daquele sistema sociotecnológico.
Como o exemplo da nossa aeronave, uma organização sem princípios fica totalmente disfuncional dado que sem as ideias centrais de como algo deve funcionar, qualquer um pode decidir qualquer coisa e no final todos vão estar certos.
Princípios idealizados e defensivos
Acredito que nenhuma organização estabelece os seus princípios simplesmente ao acaso ou por ter como referência alguma fonte externa.
Uma característica das organizações que fundamentavam a sua operação em princípios muito bem definidos, é que estas formavam os seus princípios como uma colcha de retalhos que contem valores, experiências, conhecimento presente, percepções, heurísticas e visões muito únicas de como algo tem ou como deveria funcionar.
Mas por mais que todos esses princípios fossem únicos para cada organização, todos eles se enquadravam em duas categorias; a primeira de princípios idealizados e a segunda de princípios defensivos.
Os **princípios idealizados **são relacionados a uma visão de futuro e de como a observância aos mesmos levaria a um caminho ideal para atingir local e/ou algo específico. Esse algo específico pode ser desde uma excelência operacional até mesmo o estabelecimento de um novo padrão de qualidade.
Um exemplo de princípios idealizados são os princípios de design da Apple.
Esses princípios preconizam que toda a experiência da interface homem-máquina proporcionada pelos seus dispositivos deve seguir princípios como simplicidade, minimalismo, foco, precisão no detalhe, integridade estética, controle intuitivo ao usuário e consistência de interface.
Podemos notar que são princípios soam extremamente positivos, pois remetem a um potencial apogeu de que seguindo esses princípios as suas interfaces oferecerão a melhor experiência do usuário em seus dispositivos.
Por sua vez os princípios defensivos são aqueles que são pensados de maneira a salvaguardar a organização se algo der errado, ou quando em alguns casos extremos estes princípios são definidos quando algo dá catastroficamente errado.
Aqui entram inúmeros princípios como engenharia de confiabilidade para garantia de resiliência, direcionamento pra escolha de tecnologia (como aqui também), princípios de segurança para industrias críticas como aviação em que se as coisas dão errado pessoas simplesmente morrem, ou mesmo princípios de privacidade em indústrias que tem a confiança dos clientes como modelo de negócios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em uma próxima oportunidade eu vou falar um pouco mais dos princípios defensivos, sobretudo em situações para prevenção de situações catastróficas e como isso pode ser bom ou ruim.
Um caso em que o princípio defensivo com um racional correto foi determinante para evitar uma falha: Eu trabalhei numa empresa em que o Windows estava banido para os SysAdmin e desenvolvedores com acesso aos servidores por questão que a empresa tinha como princípio não usar código fechado. Esse princípio salvou a empresa do ataque Ransomware de 2017 em que enquanto 90% dos nossos parceiros estavam fora do ar, não houve nenhum segundo de interrupção por parte da empresa.
A situação contrária também ocorreu em que um princípio defensivo que deu muito errado foi de um time de tecnologia que colocou todas as aplicações cloud após anos de problemas de confiabilidade com data centers on-premise. O resultado foi que por conta de uma situação de um contrato mal feito e instabilidade política a empresa pagou uma conta em dólar a R$ 3,98 + IOF e todos outros impostos para a provedora de cloud, quando a cotação da época que o contrato foi celebrado era de R$ 2,27; tudo isso sem contar a “migração a forceps” do que estava no provedor de cloud de volta no velho data center.